Acerca de mim

A minha foto
Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

segunda-feira, fevereiro 27

Metade do céu

 "As mulheres aguentam metade do céu"
 Provérbio Chinês

Este é o título do livro que acabo de ler.
Das mulheres, das discriminações a que ao longo do tempo têm sido sujeitas, das violências que têm sido alvo, é o que fala a abordagem feita por um casal de jornalistas (Nicholas D. Kristof e Sheryl Wudunn) em muitos países do mundo.
China, India, Tailândia, Afeganistão, Ruanda, Zimbawe, e muitos mais, foram visitados e em primeira mão são relatados acontecimentos que para nós ocidentais são quase ficção.
O positivo desta narrativa é que os autores não se ficam pelos aspectos negativos, cruéis por vezes. 
A cada tragédia descoberta,uma mudança de atitude e sucesso é contraposta, é amplamente desenvolvida e divulgada.
Ainda há esperança!
Que cada um, mesmo isoladamente assuma o seu papel de Colibri na luta deste incêndio de desumanidade  e egoísmo que teima em alastrar.
Repito, ainda há esperança...

domingo, fevereiro 26

Revolta

Tal como animal feroz
em barras enjaulado,
vagueio por espaço vazio,
de arame cercado.
Gostaria de ir além,
onde há mais ar e cor!
Tenho medo de ir encontro da morte.
Assim, refugio-me, aguardo,
que me venham matar.
Tempos houve em que fugi
para bem alto, longe...
onde não havia guerra,
só paz!
Hoje estou cansado,
e por mais que queira,
não sou capaz!
Paguei meu tributo,
que mais querem de mim?
Deixem-me!

Olossato, 1974 3 meses após ter terminado o tempo "legal" da comissão

quarta-feira, fevereiro 22

confidência

 Outro fragmento...



Que procuro no fumo do meu cigarro
Quando o aspiro com ar pensativo?
Talvez identificar-me com o fumo que passa,
leve volúvel em nuvem de nada.
Puxo um, escrevo um pouco,
fumo outro e penso.
Estou cansado e só eu sei!
Este cigarro confidente
meu fiel companheiro, 
queima-me os dedos
carboniza-me os pulmões,
mas dá-me sossego.
Cada segredo em o aspirando com o fumo 
se esvai em nuvem de turbilhão
desfeito num segundo.
E quem o ouve, quem o sente?
Exclusivamente eu!


Olossato 1974


segunda-feira, fevereiro 20

máquina de guerra

Tal como o nome do blog indica, este é um baú de recordações.
Num papel amarelecido, margens enroladas pelo tempo, folhas arrancadas de um bloco que    por terras da Guiné passou encontrei este. Momentos de solidão,de revolta, de reflexão, sem pretensão literária, mas registos de alma associados a um momento vivenciado.


 
À sombra de um frondoso mangueiro,
passando horas, queimando tempo,
espero a ordem de lançar pânico,
medo e morte a quem desconheço.
Que mais sou senão joguete
de quem manda em termos imperativos,
acertando a máquina,
introduzindo algarismos
no monstro de ferro trabalhado
em objecto de guerra?
Paradoxo a sombra, o verde e o sol
a calma de uma brisa que passa
com a guerra, a fome e o medo,
o vermelho sangue, a granada que
rebenta e mata.
Sou eu?
Quero bem não querer, mas algo superior a mim
me obriga a matar por dever...
Enfim!

   


Olossato 1974

sábado, fevereiro 11

Sem razão, só porque me lembrei

Tempos houve que o mar era a minha limitação, a fuga.
Nasci na Ribeira Brava, Madeira, e quem conhece o sítio sabe a relação que tem o povo da Vila com o Oceano. Plácido no Verão, na Primavera, ameaçador por vezes no Outono, agente destruidor no Inverno, em dias que se insurgia sonoro, galopando o calhau, galgava as muralhas, enchendo a praça, transbordava até à Igreja, espraiando-se silencioso, canais de portas ladeado. Dizia-se que a Ribeira Brava estava ao nível do mar ou até inferior. Nunca apurei até porque gostávamos de pensar que éramos bafejados por qualquer fenómeno especial.
Na escarpa, uma escadaria levava-nos ao farol, sempre iluminado ao fim do dia, guia da navegação, ponto privilegiado de observação da raiva e revolta poderosa do mar. Deixava-me ficar a olhar, não sei a ver o quê. A magia, a hipnose de uma onda que se formava, a esperança que outra ainda fosse maior. No ar, gotículas com sabor a sal, cadenciados rugidos alongados, rufar de tambores pedras contra pedras, salpicos alguns de demasiada proximidade, segredos de conduta aos nossos pais...
O tempo hoje esgotou a insularidade, felizmente.
O mundo era a Madeira, o mar o limite, a estrada.
A primeira vez que saí da ilha aos 18 anos foi de barco, no Funchal, na altura a ligação semanal com o Continente. E foi especial a abordagem a Lisboa desta forma pelo cais de Conde de Óbidos em Alcântara, num amanhecer de uma segunda-feira de Maio.
Pela água, mansamente atracava a um cais, vindo de um cais.
Hoje bem cedo, contemplando uma neblina que anunciava um começo de mais um dia, olhar longo, sem limite tal como o mar, esbocei um sorriso, creio que reconstituí aquele momento de sedução e impaciência que a capital me despertava. Um novo dia, uma vida em descoberta.
É bom recordar, é bom recordar quando há sinais de saudável evocação sem nostalgia. E afinal este episódio nem é importante para além de mim mesmo...
Hoje, longe do mar, mantenho uma relação de cumplicidade com ele, casualmente colocamos os silêncios em dia.
Mas é aqui no campo que me reservo, me realizo.

terça-feira, fevereiro 7

uma questão de vagas...

Como lamento a mediatização da condição humana em consonância com as "vagas".
No Natal, são as consoadas para os pobres altamente publicitadas pelas diversas organizações e amplamente aproveitadas pelos órgãos de informação. E fazem notícia...
No abaixamento de temperatura, perfilam-se os operadores de câmara, fotógrafos, procurando a obtenção do melhor ângulo das desgraças dos outros. E fazem notícia...
Não são ingénuos os Senhores que apregoam através da imprensa falada e escrita, a abertura de portas do metro e pavilhões onde podem abrigar-se os pobres e até comer um caldinho ou bebida quente. E fazem notícia...
E as instituições que deveriam agir por bem e com discrição, nestes momentos até se permitem ser acompanhados por repórteres para que o sofrimento alheio seja registado. E fazem notícia...
E focam-se os panelões fumegantes, canecos de leitinho quentinho, cobertores generosamente doados para os pobres, nestas ocasiões, fofos, coloridos. E fazem notícia...
Melhor conseguida será a imagem do sem abrigo cabelo longo e grisalho, barba descuidada, olhar baço sem esperança, unhas negras e longas encardidas pela sujidade e pelo tabaco de beatas recolhidas ao longo dos passeios, voz rouca de álcool sem marca, rugas pronunciadas em volta do olhar, boca desdentada. E fazem notícia...
E os repórteres sentam-se por momentos nos cartões ao lado daquela "espécie" e como se não chegasse a imagem crua, introduzem "bandarilhas" de sofrimento tentando saber porquês, chafurdam e sentem-se conseguidos ao arrancar a revolta antes silenciosa. E fazem notícia...
Este amargo que sinto na minha boca não é fel. É de tristeza!
______________________________________________