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Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

segunda-feira, fevereiro 20

máquina de guerra

Tal como o nome do blog indica, este é um baú de recordações.
Num papel amarelecido, margens enroladas pelo tempo, folhas arrancadas de um bloco que    por terras da Guiné passou encontrei este. Momentos de solidão,de revolta, de reflexão, sem pretensão literária, mas registos de alma associados a um momento vivenciado.


 
À sombra de um frondoso mangueiro,
passando horas, queimando tempo,
espero a ordem de lançar pânico,
medo e morte a quem desconheço.
Que mais sou senão joguete
de quem manda em termos imperativos,
acertando a máquina,
introduzindo algarismos
no monstro de ferro trabalhado
em objecto de guerra?
Paradoxo a sombra, o verde e o sol
a calma de uma brisa que passa
com a guerra, a fome e o medo,
o vermelho sangue, a granada que
rebenta e mata.
Sou eu?
Quero bem não querer, mas algo superior a mim
me obriga a matar por dever...
Enfim!

   


Olossato 1974

3 comentários:

avoluisa disse...

-É bom ter recondaçãos!!! mas as menos boas dói...um dor atenuada com tempo...é a pensar que não valeu a pena?? lá diz o poeta " tudo vale a pena quando a alma não é pequena" e é este o caso...
Haveria de certeza á mistura, muitos momentos bons...por isso felicito com muita certeza...só pelo poema vale ...
Alma e coração estão aqui...
gostei...
Como as minhas saudações.
avoluisa.

Lourdes Henriques disse...

Recordações que deixam marcas profundas
Que nada nem ninguém conseguirá jamais arrancar ...
Mas abençoados os que as podem recordar,
Pois há quem nunca tivesse tido oportunidade de as relembrar!...
Um bonito texto poético, parabéns.
Um abraço
Milú.

Anónimo disse...

Vasculhando há dias gavetas e estantes, também eu encontrei coisas de que já não lembrava ou que nem julgava possuir. Entre estas, está o “Programa” de uma festa dedicada às crianças que um grupo de jovens de Alvarães, 10km a sul de Viana do Castelo, levou a cabo em Março/Abril de 1970.

Nessa altura estava eu na tropa, em Lisboa, e corria o risco de ser mobilizado para a guerra, para África; não fui, foi-o o meu irmão, que também esteve na Guiné em 1973/74.

Naquele Programa, que eu executava em Lisboa e levava para a Terra aos fins de semana, incluí uma folha angustiante de alerta, editada pelo ITAU: mãos em alto, cores preto, branco e vermelho vivo, e duas fotos sobrepostas de caras de crianças negras, africanas, com a legenda – “os homens destas mãos são tristes; têm fome, têm sede, gostavam de acordar um dia e descansar de manhã à noite”.

Noutra página do programa escrevi um texto algo longo, no qual digo que “pensar no futuro das nossas crianças é fazê-las sentir que há um mundo que lhes pertence e que devem amar”. Noutra página, reproduzo o seguinte poema de Luís Veiga Leitão - poeta anti-fascista, perseguido pela PIDE, demitido do emprego, preso político, exilado - retirado creio que do livro Noite de Pedra, de 1955, apreendido pela Censura, circulando clandestinamente(espero que este blogue tenha seguidores que,jovens, não percebam as palavras atrás escritas…)

Não queremos o sangue das crianças
na boca das batalhas posto
- goelas podres de lamas desertas –
mas correndo vivo sobre o rosto,
numa alegria de flores abertas.

Nessa festa, fizemos, também, teatro. Quatro anos mais tarde, o “teatro” em que o Afonso fez o seu poema era bem pior, era já o teatro de goelas podres, o teatro de guerra ele mesmo.
E quatro décadas depois, cá estamos a recordar e a dar testemunho.
José Auzendo

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