Relativamente baixo, o avião sobrevoou o território da Guiné, em rota para Bissalanca, o Aeroporto. Água, charcos, que mais tarde soube chamarem-se “bolanhas”, vegetação rasteira, algumas espessas matas verdes e múltiplos sinuosos cursos de água, em gigantesco serpentear, mais água, mais bolanhas. A superfície terrestre parecia-me escassa neste desfilar essencialmente líquido. Onde aterrar, o avião?
Estes pensamentos certamente sonoros, ecoaram no espaço e de imediato um colectivo esticar de pescoço, um querer ver mais além, de preferência mais que os outros; janelas pequenas para tantos olhos! Nada, ninguém se manifestava. Uma opinião colectiva denunciada pelo silêncio!
Finalmente Bissau! Aterragem normal, como aplauso, suspiros, uma troca de olhos resignada! A maior parte de nós vinha em comissão individual, que significa uma substituição de alguém que por força maior (normalmente morte ou ferimento grave) deixara de estar no activo. Também havia os outros que como eu estavam integrados sempre num sistema de rendição individual, uma vez que não pertencíamos a uma companhia ou batalhão.
Para que nos pudéssemos habituar, de boas vindas, calor, muito calor, uma muito irritante humidade pegajosa. Para aqui uns, outros para ali! Periquitos, piu, piu, piu... ecoava em "solidária" provocação – as boas vindas dos veteranos e menos veteranos mas que já se sentiam no direito de “praxar”!
Nas cabeças preenchidas por um oco imenso, nada se retém, nem a provocação! Os olhos denunciadores, tudo querem ver, os ouvidos captar. Onde me posso refugiar, quem me pode acudir, pensei. Olhando para os meus companheiros de viagem, os mais próximos, os mais solidários, podia ver como nos desenhos animados, balões sobre as cabeças com pensamentos díspares, exclamações, estrelas, mas todos com um só significado – Estamos feitos!
Sacos camuflados identificados, bagagens de recurso, às costas, mais que o equipamento, o peso do momento. Uma Berliet esperava para nos conduzir aos destinos imediatos. Mais de uma centena de vezes subira para uma. Que tão alta me pareceu esta! Que esforço para a subir! Sentia-me pequeno. Pequeno e esmagado, perdido. Será que com a viagem perdi a fala? O desconhecido tolhe-me os pensamentos, a articulação, as palavras saem como indispensáveis grunhidos monossilábicos. Na carroçaria, em bancos corridos, os corpos agitam-se, sacodem-se as mentes. Para o motorista, (militarmente falando, condutor) caminhos conhecidos estes que nos conduzem através dos campos e depois mais próximo de Bissau, estrada quase urbana. Acelerado, o camião ronca por entre alas de mangueiras enormes, militares fardados de camuflado, civis de coloridos adereços, copos negros seminus. Cidade! Se isto é a capital…de novo aquele aperto na garganta!