Acerca de mim

A minha foto
Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

sábado, fevereiro 11

Sem razão, só porque me lembrei

Tempos houve que o mar era a minha limitação, a fuga.
Nasci na Ribeira Brava, Madeira, e quem conhece o sítio sabe a relação que tem o povo da Vila com o Oceano. Plácido no Verão, na Primavera, ameaçador por vezes no Outono, agente destruidor no Inverno, em dias que se insurgia sonoro, galopando o calhau, galgava as muralhas, enchendo a praça, transbordava até à Igreja, espraiando-se silencioso, canais de portas ladeado. Dizia-se que a Ribeira Brava estava ao nível do mar ou até inferior. Nunca apurei até porque gostávamos de pensar que éramos bafejados por qualquer fenómeno especial.
Na escarpa, uma escadaria levava-nos ao farol, sempre iluminado ao fim do dia, guia da navegação, ponto privilegiado de observação da raiva e revolta poderosa do mar. Deixava-me ficar a olhar, não sei a ver o quê. A magia, a hipnose de uma onda que se formava, a esperança que outra ainda fosse maior. No ar, gotículas com sabor a sal, cadenciados rugidos alongados, rufar de tambores pedras contra pedras, salpicos alguns de demasiada proximidade, segredos de conduta aos nossos pais...
O tempo hoje esgotou a insularidade, felizmente.
O mundo era a Madeira, o mar o limite, a estrada.
A primeira vez que saí da ilha aos 18 anos foi de barco, no Funchal, na altura a ligação semanal com o Continente. E foi especial a abordagem a Lisboa desta forma pelo cais de Conde de Óbidos em Alcântara, num amanhecer de uma segunda-feira de Maio.
Pela água, mansamente atracava a um cais, vindo de um cais.
Hoje bem cedo, contemplando uma neblina que anunciava um começo de mais um dia, olhar longo, sem limite tal como o mar, esbocei um sorriso, creio que reconstituí aquele momento de sedução e impaciência que a capital me despertava. Um novo dia, uma vida em descoberta.
É bom recordar, é bom recordar quando há sinais de saudável evocação sem nostalgia. E afinal este episódio nem é importante para além de mim mesmo...
Hoje, longe do mar, mantenho uma relação de cumplicidade com ele, casualmente colocamos os silêncios em dia.
Mas é aqui no campo que me reservo, me realizo.

5 comentários:

avoluisa disse...

O mar é sempre uma sedução, p'ra mim,que só as ferias ou uma uma passeata até ao mar!!! Sempre invejei quem lá vivia ...não sei porqué...talvez tivesse sangue de pescador...ou de Vasco da Gama.
Nasci e morri aqui...que nostalgia!!!vou uma hora junto ao Tejo...passa-me a depressão que fui juntando dia a dia...
Aos poucos venho juntando o percurso interesante, e vejo a coragem,a abertura a intensidade que acompanha a vida vivida no apogeu contante ...
é o que presisamos todos,os tristes,os dementes,os solitareos,os insatisfeitos...
ás vezes tembam sou destes, paciensia...é a vida...
um abraço
avoluisa

Anónimo disse...

"Do mar, do meu mar
vinham tremores
saídos dos barcos

Olhei para o céu
que explodia
os suspiros do mar
eram choros de agonia
a suave brisa
o cheiro do pó e do sangue
o beijo das espumas
o estertor da morte
o sono do mar.

"O sol na pontinha do mar
abriu os olhos
espraiou os seus raios
traçou uma rota
e deixou-se estirar.

"Ai se pudesse
ao entardecer das ondas
caminhar pela areia
tocar a imensidão do mar"...

Estive transcrevendo parte de 3 poemas de Xanana Gusmão, 1995, prisioneiro em Cipinang. Só para partilhar. E recomendo "O mar, o mar" de Iris Murdoch. José Auzendo

Lourdes Henriques disse...

O MAR, o eterno fascínio dos sonhadores!
E para quem nele navegou durante semanas seguidas sem avistar um pedacinho de terra que fosse ... apenas o seu azul muitas vezes esverdeado contratando com o azul celeste tantas vezes nublado .... ao sabor da bonança e das suas opostas tempestades tropicais ... mesmo assim, o mar tem um fascínio que nos apaixona para a vida inteira! E tenho saudades desse MAR...
Parabéns pela sua feliz recordação da juventude.
Um abraço
Milú.

Anónimo disse...

Cada um é especial por si, como o mar é especial por si, como o rio é especial por si é o nosso tesouro. Que bom uma tde à beira mar, o sol, ós pés descalcos na areia, as gaivotas, um abraço, L

Anónimo disse...

Vale mais tarde do que nunca. Ultimamente aprendi que não basta ler, é
preciso compreender. Ontem, no silêncio da noite, li todos os poemas do livro de
Xanana. São lindos, carregados de sofrimento; cheguei a uma
conclusão: só quem sofre por amor ou por um ideal ou por sentir que
este mundo não é o desejado escreve assim.
Recordei Camões, Espanca, Zeca, como poetas, e a Irene Lisboa como escritora.
Será que o sofrimento humaniza as pessoas? Pergunto a mim própria.
O livro chama-se "Mar meu", Granito Editora, 1998. Aconselho a leitura.
Lisete

______________________________________________