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Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

sexta-feira, dezembro 14

album (parte seis)

Quando cheguei, o Faustino avisara-me que normalmente uma semana após o pagamento do vencimento aos soldados Guineenses, eles pediam-lhe dinheiro. Diziam ter gasto todo.
Os soldados eram na maioria “profissionais” da guerra. Vinte e muitos, trinta e até quarenta anos. Era sem dúvida uma promoção socio-económica ser-se militar do exército Português e sendo de Artilharia permitia-lhes ter a família por perto.
Mudam-se os tempos…
Hoje procuram-se igualmente proventos através da guerra. Não vão os militares portugueses para a Bósnia, Afeganistão, etc., etc? Não são voluntários? Que os move? Curriculum? Dinheiro, muito dinheiro, um sintoma da nossa crise social!
Uma semana antes de receber o dinheiro dos ordenados vindo de Bissau, reuni o pelotão.
Disse-lhes que também recebia parte do meu vencimento ali, e que não queria continuar com o sistema de empréstimo. Propus-lhes que dividissem o que recebiam por mês por quatro semanas, e que poderiam dar-me a guardar se achavam ter dificuldade em o gerir.
Alguns aceitaram de imediato, outros, mais desconfiados só um ou dois meses depois. Ali transformava-me mais que num “banqueiro”, um orientador de economia doméstica. Senti-me honrado com a confiança deles, senti-me grato quando ao fim do mês alguns me pediam para guardar algum dinheiro que sobrava. E havia duas folhas, uma na minha posse, outra na deles. Era com orgulho que apresentavam o papel para acrescentar sempre que poupavam. No papel os cifrões, nos olhos um brilho especial, quase pueril. Nem se apercebiam o quão feliz me sentia em os ajudar a Crescer, acompanhando-os.
Descobria que mesmo em guerra, mesmo em condições adversas poderia exercitar o Ser.
Quando deixei estes homens, todos tinham as suas poupanças, uns mais que outros, mas todos aprenderam ser possível!
Sentia que não era militar, estava militar!
E muito trabalho havia para fazer. O terreno era fértil!
E há quantos anos estávamos em África? Quinhentos?
Muita aculturação, muita europeização, muita ausência de respeito pelo Homem e Culturas. Ora se impõe, ora se puxa, ora se empurra, poucas caminhadas a par.
Ter a maioria de africanos no meu pelotão, privar diariamente com as suas alegrias e tristezas, ensinou-me também a crescer, cimentando a formação trazida de casa, aprendida com o testemunho dos meus pais e felizmente continuada nos bancos de escola.
E se para além de agente da guerra deixasse uma assinatura do civil que teimosamente fervilhava, germinava inquietude dentro de mim?
Seduzia-me a ideia…
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7 comentários:

rui disse...

Olá Afonso

Só hoje foi possível eu estar aqui, no teu lindíssimo cantinho.
Fico feliz por te encontrar aí e, saber que tens origens madeirenses.
Tenho outros amigos na mesma situação.
África! A magia de África! A missão, a nossa missão.
Eu estive em Angola, mas os problemas a que te referes, também sucediam um pouco por lá.
É um tema que me trás recordações, boas e más. Recordações de um tempo em que os impulsos da juventude imperavam.

Gostei de passar por aqui.
Deixo-te um abraço

Lu Soares disse...

Ola.
Venho trazer um enorme sorriso em forma de silencio....deixo-to com um beijo carinhoso de bom fim de semana.

Lu

Alma Nova ® disse...

Quando a Humanidade se espalha de nós encontra sempre eco em seu redor!

Zé Miguel Gomes disse...

Óptimo... Óptimo mesmo... Continua a escrever assim :)

Fica bem,
Miguel

Silvia Madureira disse...

Há recordações que nos fazem viver e já lá diz a canção "recordar é viver"...e eu acrescentaria que é continuar a crescer no nosso interior.

beijo

SILÊNCIO CULPADO disse...

Uma descrição muito interessante do teu bau de recordações. É bom verificar que, mesmo em tempo de guerra,a tua preocupação com os outros se manteve serena. Ensinando a poupar criaste a esses guineenses alicerces que, certamente, lhes permitiram continuar na vida a edificação que começaste.

Anónimo disse...

África, sempre ela que nunca esquecemos. Gostei de passar este bocadinho aqui e ver que ainda existem pessoas que gostam de ajudar. Sabe bem. Um abraço

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