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Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

quarta-feira, dezembro 5

album (parte cinco)

Tite era como mais tarde vim a constatar uma zona estratégica avançada de defesa de Bissau. Se Tite “embrulhava” como vulgarmente era dito quando atacada com peças de artilharia e morteiros, Bissau não ficava indiferente, ouvia-se.
A disposição dos pelotões de artilharia em toda a Guiné pretendia cobrir todo o território, num fogo cruzado, uma malha em que a maior parte dos aquartelamentos estariam integrados. Em Tite, os 105, com carga máxima atirariam granadas a uma distância de sensivelmente 11 km. Outros, 140mm ou 114 estavam espalhados pelo território, levavam a morte mais além. Por vezes as estratégias dos senhores da guerra rodavam os pelotões de Artilharia consoante as necessidades de cobertura ou intensidade de acções de ataque do PAIGC (nessa altura ainda era o partido comum para independência da Guiné e Cabo Verde). A verdade é que a manta por vezes era curta. Puxava-se de um lado para cobrir áreas, destapava-se do outro lado.
Batiam-se zonas, não alvos. Durante algum tempo esta não visão dos estragos que se fazia à distância serviu de blindagem à intranquilidade da minha consciência. Olhos que não vêem, coração não sente, diz-se. Neste caso, e comigo, não foi bem assim, não foi!

Havia uma capela católica, apostólica romana, onde o capelão se esforçava por não perder os hábitos de celebração e pregava a palavra do Senhor aos militares e também à população!
Segundo ele, fizeram-se algumas salvações de almas, baptizaram-se crianças e adolescentes. Mal? Essa “guerra” seria bem menos prejudicial do que a que as populações estavam sujeitas.
Também havia um espaço de culto muçulmano. No princípio, um estranho “linguajar” ouvia-se do alto da torre improvisada, às horas de culto. Depois deixou de se estranhar, pertencia a uma realidade de coexistência.(Obs. Não tenho conhecimento que algum militar europeu se tivesse convertido, enquanto lá permaneci!)

O posto administrativo era sem dúvida o único edifício digno desse nome. O administrador era cabo-verdiano. Depois da minha experiência com a população Guineense, penso que a escolha era politicamente estratégica: dividir para reinar!
Ao sair da porta de armas, o único estabelecimento de filosofia centro comercial da actualidade. Bugigangas, tecidos, sabões, açúcar, bebidas etc. Ao lado um “restaurante”,
De diferente, a compra de arroz e “mancarra” (amendoim) aos produtores.
Lembro-me venderem toda a produção para pouco tempo depois comprarem muito mais caro para sua subsistência. Lembro-me ter visto vender açúcar, não aos gramas mas às colheres de sopa rasa, 1 peso, o equivalente a 1 escudo.
Exploração? Não, observação tendenciosa da minha parte certamente!
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8 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

E aqui está o teu albúm de recordações, aquele que queres fazer passar como natural mas o que mexe mais contigo. O ser humano deixa, na sua passagem, muitas pegadas sobre a terra. Umas são de luz, outras de sombra, umas são ambientais, outras são humanas mas no fundo cada um de nós tem sempre as suas pegadas no chão por onde passa. Porém o mais importante não são as pegadas em si mas a forma como as entendemos. E as tuas devem ser, por isso, bem interessantes.

Hoje no Notas Soltas temos debate sobre a legalização da prostituição. Não queres dar a tua opinião sobre este tema?http://notassoltasideiastontas.blogspot.com

Aninhas disse...

A guerra e a miséria física e moral que ela acarreta é uma das maiores vergonhas da humanidade. Mas há que recordá-la (mesmo que custe, contar a verdade nua e crua para que os que não sabem o que é aprendam e não queiram repeti-la.

quintarantino disse...

Se me permite, e porque desse acontecimento apenas tenho o conhecimento do que leio, os seus textos merecem não só ser continuados como, se calhar, publicados. São retratos vivos de uma das frentes de guerra. E se ela existiu, merece ser contada.

Tiago R Cardoso disse...

Mais uma grande recordação.

Paulo disse...

Obrigado pela visita.
Hei-de voltar a este seu espaço quando, depois de pensar na minha geração (anos 80 do século passado), e tentar vislumbrar um tempo pretérito antes de mim. É sempre salutar calcorrear o passado antes de nós.
Entretanto espero que esteja tudo bem consigo.
Abraço

Klatuu o embuçado disse...

VIVA PORTUGAL!
Abraço.

7 disse...

Acho interessante como apresenta as suas recordações. São sempre cruéis, principalmente quando nos assombram, mas também saudáveis por saber que nos fizeram mais forte. Sugiro o mesmo que o Quin. Abraços.

Rui disse...

Nunca se consegue uma observação não-tendenciosa. Pode-se ficar perto, mas nem sei se se deve tentar, em certas ocasiões.

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