Estávamos em Janeiro, o ano de 73 começara.
O Natal passara-se sem afectos, cruel. A memória invadia-me em “flash”, os rostos, os sorrisos, os momentos distantes. Uma revolta imensa tomava posse da mente, do corpo. O álcool, sempre o álcool, a muleta! Nem embriagado nem sóbrio. Meio estado, perigosamente consciente.
As noites eram sempre iguais. Prevenção, mosquitos, horas à espera que algo acontecesse ou melhor, desejo que não acontecesse.
Ouvia-se o silêncio, sentia-se a noite.
Entre um bocejar e outro, uma troca de palavras em fula, algo para mim imperceptível. Desistira de perceber. O crioulo já me dava demasiado trabalho...
Um rádio ao ombro de um dos meus homens, emitia música africana...
De repente um grito, e outro e outro, pulos de contentamento como se um golo da equipa preferida fosse noticiado...
Despertei do meu estado ausente, questionei. Amílcar Cabral morreu, foi assassinado! E saltavam e riam, davam largas ao seu contentamento.Senti frio. Desperto, não consegui evitar o berro. CALEM-SE!
Na sua simplicidade a conclusão fora imediata. Se morrera, a guerra acabara!
Por momentos, elevando a voz, esgrimi os meus argumentos. Vocês são parvos? Não vêem que a guerra não é feita por um só homem? Como podem sentir-se felizes pela morte de um líder que acredita na libertação do povo que vocês fazem parte? Calaram-se mas não fiquei convencido de terem compreendido, aliás penso que não me perceberam.
Uma súbita vontade de vomitar, o desejo de mais um golo de qualquer coisa, desde que me ajudasse a sair dali!
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