Acerca de mim

A minha foto
Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

domingo, dezembro 5

Uma luta, uma vitória!

O Quintino era um miúdo, na altura com doze anos, quando estive em Tite, na Guiné.
Acarinhado pelo pessoal do abrigo anexo ao meu obus, lavava os pratos, passava a vassoura no espaço dormitório, sala, cozinha, no abrigo, camas de ferro umas em cima das outras, ganhava uns trocos.
Saí de Tite e perdi o contacto.
Na semana passada, através de um ou outro contacto obteve o meu número de telefone. Marcámos um almoço, encontrar-nos-íamos junto ao teatro D. Maria. Curiosamente, e apesar de passados tantos anos, o reconhecimento foi fácil.
Foram quase duas horas de amena cavaqueira, o miúdo tinha crescido!
Veio para Portugal em 1986, fez cursos de soldadura naval e percorreu meio mundo. Argentina, Brasil, Alemanha, Bélgica, Congo, sempre com contratos de firmas portuguesas ligadas à sua arte. Presentemente está na Inglaterra para onde voltou hoje domingo. Tem a família lá.
Estava contente, particularmente contente. Obtivera a nacionalidade portuguesa o que lhe permitia de novo trabalhar na sua área sem constrangimentos de cidadão extra comunitário.
No Congo, ganhou dinheiro, disse-me. Entre pagar a casa em definitivo que possui no Laranjeiro e investir na sua terra, preferiu esta opção. Comprou dois Mercedes para táxi e um barco para transporte de pessoas e bens, em Bissau.
A experiência não resultou pois como estava na Europa, não podia acompanhar o negócio. Perdeu tudo. O homem de confiança, não foi. Ficou-lhe o ensinamento, a realidade. Não voltaria a investir da mesma forma na Guiné!
O pai ainda está vivo, com mais de noventa anos. Coisa rara em África, como me afirmou com um sorriso.
Recordou um simples episódio que não me lembrava. Quando vim de férias, levei-lhe uma bolsa da TAP com camisolas. Nunca esqueceu...
Narrou-me os horrores post independência. As irracionalidades da guerra. Os alimentos deixados pelas tropas portuguesas foram atirados ao rio Geba insinuando estarem envenenados. Houve valas comuns. Acontecera o que temia e tantas vezes me questionava. Soldados africanos que serviam nas fileiras do exército português foram executados, alguns meus soldados. Era um miúdo, a memória fora escrita com estilete de fogo...
À dificuldade de entendimento entre o povo Guineense , deu-me o seu ponto de vista, válido, nunca pensara nisso. Já viu, Faria, que com mais de 20 etnias ao governo Português da altura interessava-lhe acentuar as diferenças para que nunca fossem um Povo? Dividir para reinar, pois...
No fim do almoço, um abraço sentido, um até um dia.
O Quintino foi protagonista de umas páginas mais sombrias dos episódios da minha vida.
Gostei de estar com ele. Num português correcto, num olhar límpido, a tranquilidade, a ausência de rancor, uma esperança num amanhã digno, uma Confiança no Homem.
Um lutador, este miúdo!

Sem comentários:

______________________________________________